A guerreira Maria da Paz
No sítio Macaúbas, só restam cinzas da velha mangueira que Maria da Paz tanto defendeu. Terminou a agonia da árvore que alimentou um conflito de anos – dois contra uma. Os contrários alegavam que a “inútil” só servia para juntar periquitos barulhentos e abelhas pegajosas, além de atrapalhar a pastagem. A pendenga era retomada a cada encontro familiar. “Quando eles faziam aquele riso de deboche, minhas veias do pescoço faltavam explodir. A gente saía do sério e o assunto era adiado”. Lembra Da Paz, ainda com vez de inconformada.
No papel de confidente, acompanhei o caso. Pouco a pouco, minguaram a velha árvore. Descascaram um largo cinturão na circunferência do seu tronco; podaram metade dos vigorosos galhos; martelaram prego envenenado, de cima a baixo. A cinquentona continuava atraindo mais bandos, a cada outono. Ataque final: com motor-serra, despedaçaram-na em metros. Da Paz chegou a pensar que era provocação pessoal, mas não adiantava mais nada dizer. Calou-se, em nome da fragilizada harmonia familiar.
Em dezembro último, Paizinha (tratamento carinhoso dado pelos irmãos) retorna ao Macaúbas, no Maranhão. Vê açudes e pastagens torrados pela estiagem; animais esqueléticos de fome, em toda a região; o monte de cinzas ainda intacto. Ela aproveita para aliar-se a uma nova causa. À defesa de dispersos hectares de mata virgem, sobrantes de exuberante floresta outrora apelidada “portal da Amazônia Legal”. Uma guerreira essa Maria da Paz!
O ser humano primeiro
Roberto Zwestch, professor de Antropologia das Religiões no mestrado e doutorado da EST (Escola Superior do Rio Grande do Sul), é especialista em estudos indígenas. No exercício do ofício, garimpou um texto que tem categoria de preciosidade. Trata-se do poema, intitulado “Ser Humano Primeiro”, que fora utilizado no altar pelos sacerdotes do povo Apapokuva-Guarany. Esse povo vivera seu ápice na divisa do Paraguai com o Brasil, proximidades de Foz do Iguaçu, no Estado do Paraná.
O texto fora objeto de ensinamentos sagrados dos Apapokuva-Guarany. Era uma espécie de livro do Gênese, se o compararmos ao primeiro livro da Bíblia, com revelações sobre a criação do homem (Ñanderu-Arandu) por Deus (Ñanderuvusu). Os pesquisadores traduziram o extenso poema, inicialmente, do tupi-guarani para o espanhol. Professor Zwestch trouxe-o do espanhol para o português. A seguir, alguns versos pinçados para apreciação dos leitores desta coluna.
A primeira manhã surgiu voando sobre o mundo / tal garça a ferir com suas asas a pedra. / Partiu da noite mais antiga / e pousou nos ombros do Pai Maior./Ñanderuvusu passou a mão / sobre a plumagem branda da claridade, / e cobrindo o rosto com a espuma nascente do amanhecer, / chamou ao seu lado Ñanderu-Arandu, o Patriarca. […] Em ti começa o tempo, / tu és o princípio; também tu és fim. […] Eis que Ñanderu-Arandu deparou-se com a imensidão / e pôs-se a tremer […]. E reverenciou Ñanderuvusu, / ao ver a própria face unida à face da lua, / refletida nas águas mansas do primeiro anoitecer.
Et-cétera e tal
Já é fevereiro, 2016 está voando! Lembro-me do poema antropofágico “foice o tempo”, impresso nas tábuas do tapume de uma construção vizinha à minha casa. Terminada a construção, foi-se o poemeto. * * * “My English” é o nome do curso de inglês, gratuito e com certificação, implementado pelo Ministério da Educação, relacionado ao programa “Ciências sem Fronteiras”, para estudantes universitários. Está no site do Mec. * * * “O autodidata raras vezes consegue vencer os perigos de sua formação caprichosa. Nada mais arriscado na vida intelectual do que confiar ao esforço próprio e isolado todo o trabalho de informação, abstração, generalização, dedução, coordenação, classificação e crítica dos fatos lidos, numa palavra, de todos os processos indispensáveis à constituição de uma ciência verdadeira e de bom cunho” (Leonel Franca).
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Ilfonso de Sambaiba é Jornalista (DRT/DF-3633); funcionário público, aposentado; poeta, autor de Vida de Vidro, Buquê de Urtigas, Quem matou as Gazelas? e Samjahlia: versos in versos. e-mail: ildefonso.sambaiba@brturbo.com.br