Vanitas vanitatum et omnia vanitas – COLUNA CATARSES CRÔNICAS

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*Vânia Gomes

Vanitas vanitatum et omnia vanitas

“Vaidade das vaidades, tudo vaidade”, já dizia o Rei Salomão no Eclesiastes, muitos séculos antes de Cristo. E nos tempos atuais, vemos que nada mudou. Pior, a vaidade humana vem aumentando vertiginosamente. E podemos dizer que no Brasil a coisa está feia. Ou bonita, já que nosso país ocupa a primeira posição mundial no ranking de cirurgias plásticas estéticas.

Esse posicionamento no ranking é apenas um reflexo do alto nível de vaidade da nossa sociedade, da busca pelo corpo dos sonhos, seguindo padrões estéticos impostos por… por quem mesmo? Nem sabemos.

Creminhos antirrugas é para os fracos. O negócio é entrar na faca, aplicar botox, fazer pequenos retoques.

Em pouco tempo, os valores mudaram diametralmente. Na minha adolescência, por exemplo, a moda era cirurgia estética para redução das mamas; hoje em dia, é colocar enormes próteses de silicone. Nós, brasileiras, que sempre nos orgulhamos de ter o corpo tipo pera, agora estamos fazendo de tudo para ter o corpo tipo ampulheta. E cada vez mais nos deparamos com corpos e caras pouco naturais e, em alguns casos, totalmente artificiais. Ainda assim, tem gente em quem nem o Ivo Pitanguy dá jeito. Tudo bem que pode até ser benéfico para a autoestima, mas a vaidade tem tomado outras proporções: a autoadmiração e o exibicionismo.

Todo mundo quer aparecer, quer ser famosinho. Por que tanta gente posta tudo, absolutamente tudo o que faz na vida nas redes sociais? Por que alguns, que atingem o status de celebridade, têm a intimidade “invadida”? Será que é “invadida” mesmo? Sinceramente, acho muito difícil alguém publicar detalhes de divórcios de “celebridades”, por exemplo, sem ter permissão de uma das partes (ou de ambas), por duas razões: a primeira, porque poderá levar um belo de um processo nas costas; e a segunda, porque eu du-vi-de-o-dó que algum funcionário de fórum vá cometer o erro gravíssimo de levar a público um processo de divórcio. Assim, resta a conclusão óbvia de que é preciso manter-se na mídia a qualquer custo, mesmo sacrificando a privacidade individual e familiar. Triste espetáculo. Vaidade que se tornou o ganha-pão de muita gente.

Voltando à abordagem bíblica, a vaidade, juntamente com a arrogância, é considerada um pecado capital no escopo do “orgulho”. Conversando certa vez com meu marido, ouvi dele:

— Mas eu sou vaidoso de minhas conquistas! Custaram-me muito trabalho e dedicação…

— Ah, mas isso não é vaidade — respondi. — Eu acho que você tem é orgulho delas. Pra mim, vaidade é uma coisa, orgulho é outra.

Ele entendeu meu ponto, e resolvemos pesquisar a respeito para clarear nosso raciocínio. Numa abordagem filosófica, o orgulho é algo positivo, porque resulta de uma identificação própria de coisas ou situações que causam alegria no indivíduo — é real, consistente. A vaidade, ao contrário, é vazia. O vaidoso pensa que é algo que não é; é incapaz de entender seu lugar, seu espaço e seu papel na sociedade. Resumindo, o vaidoso se acha. E essa vaidade de espírito talvez seja pior que a vaidade estética, pois está associada à arrogância de se ver destacado dos demais e por isso ser o grande “guru”, sem ter produzido nada ou conhecimento algum. Ou se acaso produziu, achar-se melhor, mais inteligente e mais capaz do que os outros só por isso.

Ah! Quanta vaidade se vê nos dias atuais! Eu, que tenho certa convivência no meio acadêmico, vejo diariamente vaidades nos mais diversos graus. Tem dia que é difícil não se aborrecer, porque outra característica dos vaidosos é que sentem certo prazer em humilhar quem quer que possa esboçar alguma independência de pensamento, melhor dizendo, um pensamento discordante. Infelizmente, isso é mais comum do que podemos imaginar.

Tudo isso, creio, contribui para o diagnóstico de que nossa sociedade está doente. “Ser ou não ser”, atualmente, não passa de uma pergunta antiga, quiçá um clichê. Alimentar e inflamar o ego, ainda que com falsos elogios, está se tornando a meta a ser alcançada dia após dia. Ter e aparecer é o que interessa, o resto nem é tão necessário — vivemos tempos artificiais e, sobretudo, superficiais. A vaidade, portanto, nada mais é do que o sintoma mais aparente da superficialidade social que estamos inseridos. Chega a dar medo. Estamos sem rumo.

*Vânia Gomes é mineira de Belo Horizonte e vive em Brasília desde 2001, quando se apaixonou definitivamente pela cidade. Aventura-se na escrita de contos, poemas e crônicas e é autora do livro “Histórias do Vaticano e Outros Contos”. Para conhecer mais sobre a escritora, acessehttp://www.vaniagomes.com.br. E-mail- vania@vaniagomes.com.br

 

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