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*Vânia Gomes
Life on Mars
Desde 24 de setembro de 2014, dois países do BRICS estão na órbita de Marte. Além da Rússia, agora foi a vez da Índia chegar ao planeta vermelho. A sonda, batizada de Mangalyaan (que significa Nave de Marte, em hindu), teve um custo bem baixo: US$ 73 milhões. Uns trocados, em comparação aos mais de US$ 2,0 bilhões da sonda Curiosity, da NASA.
O Brasil também tem um Programa Espacial. Não é ruim, mas o fracasso mais recente foi o (não) lançamento do satélite CBERS-3, em dezembro do ano passado, projeto conjunto com a China, outro dos países do BRICS. O CBERS-3 decolou, mas não chegou lá. O foguete chinês responsável pelo lançamento falhou e o equipamento não alcançou velocidade e altura suficientes para orbitar a Terra. Caiu e desintegrou-se na nossa atmosfera.
Mas já temos três satélites em órbita: o CBERS-1, o CBERS-2 e o CBERS-2B. O CBERS-4 foi lançado em dezembro de 2014 e tudo ocorreu conforme o esperado. O projeto total (desenvolvimento, construção e lançamento) foi orçado em cerca de US$ 150 milhões. Parece muito dinheiro, mas não é. As informações (imagens) fornecidas por esses satélites são importantíssimas para diversas áreas, incluindo agricultura, meio ambiente e oceanos, entre outras. Mas, por enquanto, estamos orbitando só em torno de nós mesmos, ainda não chegamos nem na Lua, que dirá a Marte!
E por que sondas em Marte? Finalmente poderemos ter a resposta para a indagação do (já saudoso) David Bowie “Is there life on Mars?” É que a sonda indiana procurará por metano, um gás que pode indicar a existência de vida primitiva no planeta vizinho. E como eu adoro ficção científica e superviajo nas n possibilidades, óbvio que para mim isso tem a ver com a transferência futura de criaturas terrestres para viverem lá, porque, convenhamos, por aqui está cada vez mais difícil. No próximo século, sei não…
Mas o mais legal da notícia da chegada da sonda na órbita de Marte foi a felicidade do primeiro-ministro indiano, que comemorou dizendo, entre outras coisas, que o projeto dessa sonda custara menos do que o filme “Gravidade” (aquele, com a Sandra Bullock e o George Clooney), cujo orçamento foi de US$ 100 milhões. Pegando um gancho na fala do ministro, os espanhóis foram superespirituosos, e fizeram uma lista com as 11 obras espanholas mais caras do que mandar uma nave a Marte. Adorei isso!
Resolvi imitá-los e fiz uma singela listinha brasileira, abordando alguns “investimentos” inesquecíveis. Quem quiser, pode completá-la nos comentários, já que as opções são muitas, ao que parece.
Começo com o Estádio Nacional de Brasília ou Mané Garrincha. Numa cidade que não possui grandes clubes de futebol e muito menos tradição nesse esporte, esse “investimento” já seria caro se custasse uns poucos reais. Mas, nesse caso, foram gastos, nada mais, nada menos, que US$ 830 milhões, o que o coloca na posição de segundo estádio de futebol mais caro do mundo! Perde só para o estádio de Wembley, na Inglaterra. Com essa grana, daria pra mandar mais de 10 sondas indianas a Marte!
Ok, com um estádio decente aqui em Brasília, até eu já fui ver o meu Cruzeiro querido, tão combatido, jamais vencido, vencer o Atlético-PR com mais da metade do time reserva. Além dessas duas equipes, já estiveram jogando aqui na capital federal o Botafogo, o Flamengo, o Fluminense, o São Paulo, o Goiás e o Corinthians, além, claro, da nossa seleção. Ainda assim, não vejo justificativa para tamanha gastança. E o que dizer, por exemplo da Arena Amazonas? É o 19º estádio mais caro do mundo, tendo custado módicos US$ 340 milhões. Vamos ver com o tempo se essa arena se converterá ou não no elefante branco de Manaus.
O próximo item da minha lista é o investimento com que nós, povo da pátria tupiniquim, brindamos nossos magistrados: um auxílio moradia, ainda que tenham imóvel próprio. Bom, vamos fazer as continhas: R$ 4.377,78 por mês para cada juiz; são 12 meses no ano, portanto, anualmente, cada juiz receberá só de “auxílio” à moradia R$ 52.533,36. Como o número de juízes federais é mais ou menos 1.600, nossa continha fecha em R$ 84.053.376,00; agora é só fazer a conversão para dólar e esse “investimento” sairá por apenas US$ 34.790.304,64 (por ano). Sim, bem menos que a sonda indiana, mas para que, mesmo? Para ajudar no “aluguel” de pessoas cujo salário médio gira em torno de R$ 24.000,00, sem as vantagens/ acréscimos da carreira. Aliás, com tanta gente sem teto, com tantos moradores de rua, é até de mau gosto e, porque não dizer, ofensivo que uma classe tão privilegiada receba um “auxílio” moradia. Isso porque ainda não mencionei o auxílio alimentação, que é de R$ 4.900,00! Num país onde parte da população passa fome e a maioria recebe o salário mínimo de R$ 880,00 para morar e alimentar toda a família. Lamentável.
E para fechar minha singela listinha, a obra mais importante: o Porto de Cuba. A gentileza brasileira custou “somente” US$ 682 milhões — nove Mangalyaans. Claro, somos endinheirados, e nosso país não tem problemas como energia, transporte público ou estradas para escoar nossa significativa produção agrícola. Com nossos portos, então, nenhum problema, imaginem! Temos dinheiro de sobra, inflação zerada, nenhum cidadão brasileiro passando fome, escolas públicas de altíssimo nível, hospitais públicos de primeiro mundo e, afinal, Cuba merece. São companheiros de longa data!
Vou ficando por aqui. Se alguém se interessar, como eu disse, pode completar a listinha que iniciei. O último item que escrevi, aliás, me enjoou. Amo meu planeta, e amo mais ainda o meu querido Brasil, mas estou ansiosa para saber como andam as pesquisas no planeta vermelho. É que numa hora dessas dá vontade de pegar o primeiro ônibus, de preferência indiano, e com passagem só de ida pra Marte!
Vânia Gomes é mineira de Belo Horizonte e vive em Brasília desde 2001, quando se apaixonou definitivamente pela cidade. Aventura-se na escrita de contos, poemas e crônicas e é autora do livro “Histórias do Vaticano e Outros Contos”. Para conhecer mais sobre a escritora, acessehttp://www.vaniagomes.com.br. E-mail- vania@vaniagomes.com.br